quinta-feira, 22 de março de 2012

Porque ele me faz melhor a cada encontro.

     Acredito que hoje é difícil encontrar alguém que seja uma pessoa de verdade, cem por cento pessoa, ser humano andante errante e que se aceite nessa condição. Todos somos um pouco robôs, zumbis, insatisfeitos conosco e com tudo mais ao redor.
     Trocadilhos à parte, Pessoa não era apenas poesia em forma de gente, ele era pessoa com "p" maiúsculo. E não apenas uma. Não me canso de admirá-lo e amar cada palavra que era o seu ser tão humano. Fico feliz todas as vezes que me encontro com ele.
     Sinto por não ter escrito muito nos últimos tempos, sinto falta e sinto muito. Às vezes venho aqui, ensaio alguma besteira, mas estou num momento meio mimado rebelde de me querer só para mim, querer o mundo para mim e sentí-lo, o máximo que posso, da forma que eu quiser (rebelde e mimada, eu disse). Talvez após esse momento de "captação", surja outro de produção; por enquanto deixo o Pessoa falando por mim.



Apostila
 
Aproveitar o tempo! 
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite? 
Aproveitar o tempo! 
Nenhum dia sem linha... 
O trabalho honesto e superior... 
O trabalho à Virgílio, à Mílton... 
Mas é tão difícil ser honesto ou superior! 
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!
Aproveitar o tempo! 
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos - 
Para com eles juntar os cubos ajustados 
Que fazem gravuras certas na história 
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)... 
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões, 
E os pensamentos em dominó, igual contra igual, 
E a vontade em carambola difícil. 

Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos - 
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.
Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir... 

Aproveitar o tempo! 
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro. 
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto. 
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste. 
Aproveitar o tempo! 
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos. 
Aproveitei-os ou não? 
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?! 

(Passageira que viajas tantas vezes no mesmo compartimento comigo 
No comboio suburbano, 
Chegaste a interessar-te por mim? 
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter? 
Qual foi a vida que houve nisto?
Que foi isto a vida?)

Aproveitar o tempo! 
Ah, deixem-me não aproveitar nada! 
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!... 
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa, 
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha, 
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras, 
O pião do garoto, que vai a parar, 
E estremece, no mesmo movimento que o da terra, 
E oscila, no mesmo movimento que o da alma, 
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.
Álvaro de Campos - 11/04/1928

quarta-feira, 21 de março de 2012

Na moral, chuva.

Cai aí, chuva, que hoje eu tô com preguiça de molhar a grama.
Na moral, o sofá tá massa, não me faz levantar daqui, não.